Arquivo de fevereiro \26\-02:00 2010

– A lealdade das mulheres –

 

– Por Contardo Calligaris –

(Basta olhar as filas das visitas nos presídios para saber que lealdade não é qualidade masculina )

NA TARDE de quinta-feira passada, estive no Presídio Feminino do Butantã, situado na rodovia Raposo Tavares, longe do bairro paulistano do Butantã.

Aconteceu assim: antes do fim de ano, Wagner Paulo da Silva, que eu não conhecia, me escreveu explicando que ele organizava um grupo de leitura regular para detentas desse presídio.

O grupo (mais ou menos 25 mulheres) tinha discutido uma de minhas colunas; quem sabe eu me dispusesse a proporcionar um “encontro com o autor”?

Soube depois que Wagner da Silva e Durvalino Peco animam há anos esse grupo de leitura para detentas do presídio do Butantã e, agora, com o apoio do Estado de São Paulo, estendem o programa a 26 penitenciárias da região metropolitana (para isso, eles promovem, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, um curso gratuito de formação de mediadores -as inscrições já estão encerradas, mas vale a pena conferir: http://www.fespsp. org.br/leiturativa/).

Enfim, voltando das férias, liberei uma tarde para aceitar o convite e encontrar minhas leitoras.

Ficamos conversando mais ou menos duas horas, e saí de lá com algumas reflexões.

Eis uma delas. 

A prisão, para as mulheres, é uma punição mais severa do que para os homens, e a causa dessa diferença é um atributo feminino.

Claro, há homens leais e mulheres desleais, mas, em regra, a lealdade é uma qualidade mais feminina do que masculina.

Não estou pensando na fidelidade amorosa e sexual -nesse campo, homens e mulheres são capazes das mesmas “traições”.

Penso numa lealdade mais fundamental, que uma comparação vai explicar facilmente.

Em dia de visita numa penitenciária masculina, a fila de mulheres (esposas, mães, filhas, irmãs) é longa: facilmente, é mais de uma visita feminina por cada preso.

Em dia de visita numa penitenciária feminina, a fila é curta e, em sua grande maioria, composta pelas mães das detentas; os homens aparecem num número irrisório.

Sei lá, por 700 mulheres no presídio, uma dúzia de gatos pingados visitando.

Os homens se esquecem de suas companheiras assim que as portas do presídio se fecham sobre elas.

Abandonada pelo companheiro ou marido, a mulher (outra prova de lealdade) prefere duvidar de si: será que o marido nunca comparece porque ela não é, nunca foi, a mulher que ele queria?

A deslealdade masculina aparece também quando os homens são presos; eles são bem felizes de receber a visita das mulheres que voltam a cada semana, lealmente, anos a fio, mas, com frequência, se esquecem dos filhos que deixaram fora do presídio.

As mulheres presas, ao contrário, só pensam nas crianças que estão lá fora (em geral, com a avó; quase nunca com o pai).

E, de novo, a lealdade com as crianças as leva a duvidarem de si mesmas: no dia em que sairão do presídio, os filhos não as reconhecerão, ou então, de qualquer forma, eles já gostam de avós, vizinhas, tutores e tutoras mais do que delas -e por aí vai.

Facilmente, as mães detentas vivem o afastamento das crianças não como consequência da punição pelos crimes que elas cometeram, mas, bem mais sofrido, como punição por elas não “merecerem” ser mães -como se os filhos estivessem longe porque elas não souberam e não saberiam ser mães.

As mulheres, qualquer criminologista sabe, agem criminosamente por razões diversas das dos homens.

Em regra, matam por paixão amorosa; quando traficam ou assaltam é, frequentemente, para acompanhar o parceiro.

Com isso, a prisão feminina é uma espécie de pena do talião: crimes cometidos por amor são punidos pelo sumiço dos homens amados e pelo medo da perda do amor das crianças.

Na época em que trabalhei em instituições psiquiátricas fechadas, quando o expediente terminava e estava na hora de ir embora, no fim do dia, eu era acometido por uma tristeza profunda.

Acabava de compartilhar um bom tempo com os que estavam lá internados, e eis que, agora, eu ia embora, para uma casa, uma companhia, o convívio dos amigos. E eles, não; eles ficavam.

 A tristeza era uma espécie de culpa por abandoná-los no que era, de fato, uma desolação.

Pois bem, ao sair da penitenciária do Butantã, não senti nada disso, pois não havia desolação.

Não teria como fazer elogio maior à direção do presídio, à equipe que lá trabalha e às detentas que encontrei, pela resiliência de sua vontade de viver.

 

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O – meu – cansaço

Ando cansada de muitas coisas.

E de tanto andar cansada, me canso e não ando.

Tenho a sensação que não vejo o mundo.

Paraliso-me.

Sinto-me árvore.

Medrosa.

Ando cansada de quebrar a cabeça e  de estar com a cabeça quebrada.

Não vejo o todo.

Fragmento-me.

Sinto-me árvore sem reação.

Ando cansada de ser sombra e não frutos.

Ando cansada da melancolia.

Pois não vejo as verdadeiras cores.

Acinzento-me.

Sinto-me árvore seca e ando cansada de tanta canseira.

O nem centenária eu sou.

E por estar tão cansada está chegando o momento de descanso.

De fato.

Tirar a casca deste cansado tronco de algumas décadas.

Me renovar.

Colorir-me de verde.

Arrancar folhas mortas.

Me tornar um ipê florido.

E eu sei que consigo ser.

Sentir de outra forma.

Mas como conseguir florir?

Ficar tão forte e imponente, em meio a tantas outras raízes que não são as minhas?

Raízes que ocupam espaços preciosos interferindo no solo em que estou plantada.

Por fim, a dúvida persiste:

” Será que realmente sou uma árvore? “

O quanto conheço de minha própria raiz?

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“E acima de tudo – sou – dotada de AMOR”

 

Sou uma pessoa muito metódica pra certas coisas.
Pra outras, não!

Sou uma pessoa muito organizada pra certas coisas.
Pra outras, não!

Sou muito perfeccionista pra certas coisas.
Pra outras, não!

Sou muito disponível pra certas coisas.
Pra outras, não!

Sou muito sonolenta pela manhã.
À noite, não!

Sou muito comunicativa em determinadas situações.
Em outras, não!

Um pouco do que sou me impressiona.

Um pouco do que sou me decepciona.

Afinal, alguém sabe onde encontrar a “perfeição”?

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“Carência?”

A carência é uma constante em minha vida?

Você me dá doses homeopáticas de carinho?

Já obtive minha cota dessa semana?

Realmente tenho “carências”  inusitadas durante o dia.

Ainda não aprendi que esse “padrão” de imaginação é algo que eu deveria usar apenas para dar risada.

Ok, eu sinto tua ausência ao longo dos instantes mas quando te encontro:

Você tem uma forma firme, quase violenta, de me pegar.

Gosto desse jeito de brincar de “homicídio” comigo.

Gosto quando chega bem perto de mim a ponto de fazer faltar meu ar.

Gosto quando me abraça e fala: ” agora não largo mais.”

Gosto quando te vejo cantar The Killers, assim eu fico cantarolando o resto da semana para lembrar você.

Gosto da forma como você ri.

Gosto do seu cabelo arrumadinho.

Acho delicioso quando me faz rir, mesmo que seja com cócegas.

Gosto quando vc me acolhe pra perto enquanto vemos televisão.

Gosto quando você também gosta.

E eu posso ter mil motivos para ir embora.

Mas basta você me dar um pra ficar.

E eu fico sempre.

Por que eu te amo e sei que é recíproco.

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“Jogos de Sedução”

Eu gosto destes jogos?

Será que eles realmente deliciam-me?

Eu gosto de ser seduzida, fato!

Principalmente por alguém que seja criativo e que quebre as regras.

E como em todos os jogos há estratégias, a minha que até pouco tempo era de defesa agora é de ataque.

Ainda não sei bem oque ou quem quero atacar.

Mas um engodo já detectei:

Eu brinco de seduzir e crio-me um problema.

Pois eu não sei como não me envolver.

E não é fácil lidar com uma paixão “solitária”.

Com um medo presente.

E esse papo de: “topo jogar com alguém que ok caso não seja só para mim”, me faz ficar mal.

Não suporto ter alguém apenas até a aurora.

Não gosto do: “depois a gente se vê”.

E nisso me perco novamente.

Pois me apaixono e não sei como me comportar.

Não sei quais palavras usar.

Quais gestos ter.

Enfim, não sei seduzir.

Não sei brincar disso.

É isso.

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Depois do CARNAVAL…

Dizem que o NOVO ANO só começa depois do carnaval.

Sendo assim hoje é um dia para os meus desejos.

Logo, para todo mundo cujo coração foi junto ao meu.

Para todo mundo que me estendeu a mão.

Para quem já me tirou o remo e ajudou a remar.

Para quem acreditou, para quem rezou.

Pra quem chorou junto e afrouxou o sorriso.

Para quem foi presente nos dias de salto alto ou pé no chão.

Para quem esta à minha margem.

Para quem dividiu a mesa e a cerveja.

Para quem não julgou e não difamou.

Para quem sabe o valor da amizade.

Para quem convidou e foi convidado.

Para quem sabe o que é uma “varanda eternamente verde”.

Para quem fez questão.

Para quem sentiu saudade.

Para quem ta longe ou perto.

Para reais e virtuais.

Para os poucos, para os raros, para os loucos…

Muito obrigada!

É de gente assim que eu espero que 2010 esteja repleto.

De gente que tem habilidade pra dizer mais SIM do que NÃO.

Eternamente…

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“… minhas representações, meus papéis.”

Somente meus olhos permanecem abertos neste instante.

O ano começou, e já são 4h da madrugada de uma quinta-feira de Janeiro.

Todos dormem seus tranquilos sonos, enquanto termino uma de minhas intermináveis tarefas: escrever minhas sentimentalidades.

A solidão de momentos assim fazem-me pensar no quanto a covardia me faz assentir por puro narcisismo.

Penso na desordem de minha alma, meu corpo, meu coração, minha cabeça…enfim.

Penso em minhas várias atuações e representações.

E me defino como um papel.

Papel daqueles que estão guardados.

Daqueles que foram queimados.

Dos que foram rasgados por outras pessoas e deixaram de existir.

Dos que foram jogados fora com ou sem minha permissão.

Dos que guardam meus segredos e não os contam a ninguém a menos que eu os deixe perdidos por aí.

Dinovo, penso nos meus vários papéis…

Aqueles que tem anotados meus planos.

Aqueles que registram timidamente meus sonhos.

Aqueles que dizem o que sinto, o que quero, o que espero de quem faz parte da minha vida.

Repenso em meus vários papéis…

Aqueles que tem marcados minha lágrimas.

Os que retratam trechos das minhas canções preferidas ou mesmo as poucas receitas que sou capaz de fazer.

São os papéis que me representam para dizer o que sou e sinto.

Se eu jogá-los ao vento, o vento saberá quem sou.

Se eu deixá-los nos caminhos por onde passo, os caminhos saberão onde pretendo chegar.

Se eu entregá-los ao mar, o mar entenderá cada uma de minhas lágrimas.

Se eu apresentá-los ao sol, o sol saberá o quanto eu fui capaz de brilhar.

Se eu apresentá-los à lua, a lua terá certeza do quanto sou capaz de amar.

E se eu entregá-los a Deus, independente do que esteja escrito nestes papéis, é certo que Ele me amará, me perdoará e me dará quantas chances ainda forem necessárias.

Eu sei, sim eu sei!

Essa é uma das poucas certezas por agora.

Mas e as pessoas que convivem comigo, o que sabem sobre mim?

Talvez bem menos que cada um dos papéis que passaram por minhas mãos.

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“Para todos os meus AMIGOS!”

Gostaria que cada um dos meus amigos fossem eternamente o que desejassem, sem nenhuma má interferência.

 Que cada um vivesse intensamente seus sonhos. 

Cercados por alguns dias tristes, com sorrisos vagos, com choros de felicidade e os gritos das dores cotidianas.

 Que nenhum deles nunca perca a dignidade de sempre, e que possam transparecer tudo e acima de tudo que possam fazer dos sentimentos uma dádiva.

 Que ergam a cabeça e tenham a simplicidade de admitir seus erros.

 Errem! Errem muito porque não existe nada de imperfeito nisso.

 Que ao cair das noites eles fujam.

 Que essa fuga seja de si mesmos para não permanecerem no mesmo lugar.

 Mudem suas perspectivas porque isso nos reorganiza diante de nosso âmago.

 Que vocês possam renovar suas esperanças todos os dias.

 Que sintam saudades dos velhos tempos da infância.

 Que percebam o quanto é importante ter amigos e o quanto é importante se sentir bem ao lado deles.

 Que possam chorar por amor.  Mas que aprendam a diferenciar os grandes amores. Por que o fim de um grande amor é muito doloroso.

 Porém, um grande amor nunca tem fim.

Que aprendam a contar a nossa história para todos que perguntarem sobre felicidade.

Que contem e recontem essas e muitas outras histórias porque a vida não tem graça sem uma boa história.

Que tenham a coragem que eu não tive.

Que se necessário estufem o peito contra as guerras.

 Que destruam os futuros “muros de Berlim”.

 Que defendam suas próprias palavras e idéias.

 Que ao aproveitar o máximo da felicidade não esqueçam do universo e suas estrelas.

 Que descubram como esquecer o ontem, e viver o hoje.

 Pois o amanhã virá e será mais lindo e desafiador.

 Meus amigos, nunca esqueçam que o céu é o nosso limite.

 Que tudo que vem de cada um de vocês – para mim –  é único e inigualável.

 Nas dores, lembre-se que a doação de um pouco de amor, supera tudo.

 Tenham fé em algo e descubram o quanto isso nos alivia e renova.

 Que tenhamos juntos inúmeras tardes e/ou agradáveis noites regadas a sorrisos, vinhos, conversas e brigadeiros.

 Não percam tempo com inveja e preconceitos.

 Agradeçam aos seus pais pelo dom da vida, pelo amor e pela alegria.

 Dentro do limite de cada um eles fizeram o melhor.

 Confidencie aos seus irmãos que o amor mais fraterno que existe é o deles.

 Ao envelhecer percebemos que eles são fundamentais conselheiros.

 Nunca espere vencer toda angustia e conflitos, mas lutem contra eles.

Sejam humildes e lembre-se que o mundo não gira em torno de vocês.

E se acaso esquecerem de mim, lembre-se de quanta felicidade vocês me proporcionam.

 Por fim, quero dizer a cada um que: são importantes seja pela força, pelo caráter, pela alegria, pela energia ou pelo gênio.

 Vocês são poucos que somam o infinito.

Um infinito de sorrisos

 São poucos que dividem o infinito de sonhos e segredos.

 Que sem vocês esses seriam sonhos escondidos debaixo das cobertas e segredos varridos pra debaixo do sofá.

 São vocês, meus grandes amigos, que transformam meus dias cinzas em brilhantes cores e diversão.

 E meus assombrosos problemas em pequenas fagulhas no infinito turbilhão dos meus surtos.

 Preciso dizer que eu sou uma pequena soma de todos vocês? 

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Trecho: O NASCIMENTO DO PRAZER

 

prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer.  

A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável.  

Esse fundir-se total é insuportavelmente bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte.  

Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida nascendo

E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida.  

Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido.  

Pois o prazer não é de se brincar com ele.  

Ele é nós. 

(Clarice Lispector)

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“O sempre desequilibrado humano”

Tudo o que é humano é complicado; ou melhor: não pode ser simples senão não é humano.

O humano é impreciso, enigmático, ambíguo, pérfido, e acima de tudo, espesso como os nevoeiros e as peças de Shakespeare.

É, como as máscaras de carnaval e as cebolas: múltiplo; e tem muitas caras, varandas, porões e infindáveis corredores.

Tem também o abraço solar, a mão aberta e calorosa, o sorriso que cativa e o beijo apaixonado que promove a vida.

Tudo nasce de uma mesma fonte da qual jorram igualmente ódio, inveja, coragem e ressentimento.

O transitório que, para Freud e Thomas Mann é tudo, promove a busca de consistência e do eterno.

A saudade articula o instantâneo que é vida e a eternidade feita do nada.

Os deuses nos invejam não só porque não existiriam sem nossas preces e oferendas, pois eles precisam de nós tanto quanto nós necessitamos deles, mas porque vivemos na transitoriedade e na dúvida do aqui agora, do ser ou não ser e do você e eu que engendram tenacidade, desejo, amor, lealdade e honra.

Aquele “fazer ou morrer” da canção “As time goes by”.

Não estamos aqui para brincadeiras e, diferentemente dos deuses, não temos tempo a perder. Exceto no carnaval…

No labirinto da vida, como na velha Creta de Teseu, ou se encontra uma saída ou se dá de cara com o Minotauro.

O caso Lula é exemplar.

Ele tem mais popularidade do que qualquer outro presidente. Ademais, como Prometeu (sem trocadilho), ele roubou a mais decisiva contribuição à modernidade democrática brasileira — o Plano Real.

Virou pai da revolução realizada pelo satanizado FHC que, como manda o paradoxal esquecimento humano, era estigmatizado pelo PT como “herança maldita”.

Hoje, vendo o Lula como cidadão do mundo, fazendo abertamente uma campanha política que os juízes não enxergam, transferindo votos para sua Chefa da Casa Civil e rompendo com o dogma da transferência de votos que os marqueteiros — esses derradeiros matemáticos do humano — diziam ser impossível, julguei que o “cara” estava num mar de rosas.

Mas eis que ele sofre um piripaque.

Eu medito: só os seres humanos sofrem tais reviravoltas.

Só eles podem ficar mal quando tudo aparentemente vai bem.

Seria uma premonição, porque quem tudo promete não consegue decidir?

Ou seria algo sem importância?

Mas há mesmo algo sem importância quando se trata do humano?

Os tigres de dentes de sabre, quanto mais matavam, mais lhes cresciam e afiavam os dentes.

Entre nós, porém, quanto mais sucesso, mais o fracasso ronda nossa casa; quanto mais subimos, mas depressa descemos; quanto mais gozo, mais angústia e sofrimento.

O amor faz sangrar como os animais sacrificados.

E a morte, sendo o nosso destino, só se desliga da vida pela paixão que ilude e vira o mundo pelo avesso.

Foi só a partir da institucionalização do individualismo que começamos a dizer abertamente que “Estamos muito bem, obrigado!”

Antigamente, os brasileiros eram proibidos de assumir toda e qualquer felicidade.

Não pegava bem ser feliz num mundo inseguro, desigual e injusto.

Todos iam de mal a pior, como aqueles personagens de Machado de Assis.

Aprendi a insistir no “vou indo” e, quando muito, soltar um “mais ou menos” que, nos Estados Unidos, assustava meus amigos crentes no “the sunny side of the street” (no lado ensolarado da rua).

Se, para nós, sofrer é mais ou menos normal, para eles o direito à felicidade é um projeto possível, autoevidente e constitucional.

Em minhas preces eu rogo pelo amor e pela felicidade; meus amigos americanos, porém, nascem com a certeza de tudo isso e o céu também.

Vejam vocês: o sujeito se livra de um apuro apenas para descobrir que passou de um problema para outro.”Controlei finalmente o meu peso — disse-me a ex-gordinha Selma — só que não como mais!”

O antropólogo e escritor maranhense, Nunes Pereira, de saudosíssima memória, era meu amigo e me visitava de quando em vez quando eu trabalhava num museu.

Fazia minha alegria, porque não é fácil trabalhar no meio de pesquisadores, coleção de ossos, bichos empalhados e múmias.

Um dia, ele me contou o caso de um médico amazonense desgostoso com a depravação reinante na civilização da borracha que fazia de Manaus um centro de esbórnia.

Constatado o hedonismo da capital amazonense resolveu, como um personagem de Joseph Conrad, renunciar à fortuna e aos vícios confortáveis, para viver em simplicidade e pureza.

Afastou-se de Manaus até chegar num derradeiro povoado, limite entre o civilizado impuro e o selvagem virginal.

Ali, pegou uma canoa e remou em direção a uma casa de palafita situada no mais fundo da mata.Ao aproximar-se, vislumbrou formas estranhas num barranco.

De perto, discerniu enojado: era um caboclo que copulava com um mamífero cetáceo de água doce — uma bota! — no barranco.

A bestialidade no meio da selva mais pura, como queriam ele e José de Alencar, era muito mais ofensiva do que as perversidades pagas dos lupanares de Manaus.

Depois de tanto fugir, voltara ao ponto de partida.

A fabula era sempre arrematada com um sorriso e o seguinte: Ele aprendeu que onde há o humano há o depravado e o perverso.

Ou o desvio seria apenas um episódio na vida de um bicho não declinável mas que se pensa como tal?

(Por Roberto DaMatta)

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